Em Moçambique, o Diálogo Nacional tem sido apresentado como uma oportunidade para promover a paz, reformas constitucionais e institucionais, além de ajustes no modelo eleitoral, com vistas a consolidar a estabilidade política e garantir maior participação de diferentes forças políticas no processo democrático. Porém, recentes tensões mostram que, embora o processo se queira aberto e inclusivo, há controvérsias relativas a quem pode ou não fazer parte de alguns dos seus órgãos técnicos.
Quem são os protagonistas
Albino Forquilha, líder do partido PODEMOS, uma das vozes que insistem na importância de que as reformas sejam conduzidas em equilíbrio, com participação ampla, mas também em conformidade com regras definidas.
Venâncio Mondlane, líder do partido ANAMOLA, segundo colocado nas eleições presidenciais de 2024, que reivindica que seu partido seja incluído formalmente na comissão técnica do Diálogo Nacional, alegando que tem propostas substantivas para reforma do Estado e para enfrentar problemas associados às instituições como o sistema de Justiça e as Forças Armadas.
O que está em discussão
A polémica gira em torno da comissão técnica do Diálogo Nacional: um órgão com composição específica que deverá analisar tecnicamente as propostas, subsidiar decisões e garantir que os temas tratados – como eleitoral, constitucional, descentralização, etc. – sejam examinados com rigor.
Mondlane e o ANAMOLA reivindicam participação nessa comissão, argumentando que a sua exclusão compromete a legitimidade e a representatividade do processo.
Por outro lado, Albino Forquilha afirma que o diálogo está aberto, mas que existem regras claras para participação na comissão técnica: critérios formais que devem ser cumpridos, como ter representação parlamentar, provincial ou municipal/autárquica. Ele afirma que Mondlane não cumpriu esses requisitos formais no momento apropriado para requisição de assento na comissão técnica.
Argumentos de cada lado
O que diz Forquilha / PODEMOS
O diálogo nacional é inclusivo, mas há uma distinção entre participar da estrutura técnica e participar do processo mais amplo.
A comissão técnica exige critérios estruturados: representação institucional formal para garantir legitimidade e capacidade de articular com outras esferas do Estado.
Segundo ele, mesmo não fazendo parte da comissão técnica, Mondlane e o ANAMOLA ainda podem contribuir com propostas, participar de consultas, ser ouvidos como parte do Conselho de Estado ou da sociedade civil, etc.
Forquilha nega que haja exclusão deliberada, que o problema tenha sido de prazo e formalismo, não de contenção de vozes.
O que reclama Mondlane / ANAMOLA
A ausência do partido na comissão técnica, na sua visão, reduz a representatividade do Diálogo Nacional. Ele considera que têm propostas concretas que poderiam enriquecer o processo.
Alerta para o risco de o diálogo transformar-se em algo formal, apenas simbólico, sem efetiva inclusão ou comprometimento com mudança.
Implicações e o que está em jogo
A disputa tem importantes implicações para:
1. Legitimidade do processo – Para que o Diálogo Nacional seja aceito por uma ampla parte da sociedade e atores políticos, é importante que as regras de participação sejam percebidas como justas, transparentes, e que não deixem de fora atores com respaldo eleitoral ou que representem setores sociais relevantes.
2. Eficácia das reformas – Se a comissão técnica ficar restrita ou percebida como parcial, há risco de as reformas serem contestadas ou de não gerarem consenso, o que pode reduzir sua aplicabilidade ou gerar novos conflitos.
3. Inclusão política – O modo como partidos, grupos organizados ou lideranças que não cumpram certos critérios formais, mas que têm base eleitoral ou intelectual, sejam considerados ou não, marca o quanto Moçambique está disposto a abrir espaço para diversidade política e participação cidadã.
4. Precedentes institucionais – O que for definido agora vai servir de referência para futuros diálogos e processos participativos. Estabelecer critérios justos, prazos, e mecanismos de recurso são fundamentais para evitar ressentimentos e disputas posteriores.
Possíveis caminhos para solução
Para que esse impasse seja minimizado, algumas opções ou medidas poderiam ser consideradas:
Revisão ou flexibilização de critérios: manter padrões formais, mas prever exceções ou vetos quando há legitimidade reconhecida por eleição ou representatividade.
Prazos claros para inclusão de partidos ou representantes, com notificações antecipadas, para que todos que queiram participar tenham tempo para cumprir os requisitos.
Mecanismos de participação indireta: mesmo aqueles que não estejam formalmente na comissão técnica poderiam ter voz em plenárias, consultas públicas, sessões temáticas ou fóruns paralelos.
Transparência extensa: publicar claramente quais são os critérios, quem está convidado, quem recusou ou foi vetado, por quais razões, para evitar suspeitas de favorecimento ou discriminação.
Mediação ou arbitragem: talvez envolver órgãos neutros ou entidades da sociedade civil para validar ou revisar os critérios de participação, garantindo que haja confiança de todos os lados.
Contexto
O caso Albino Forquilha vs. Venâncio Mondlane destaca o dilema comum em muitos processos de transição política: entre querer garantir ordem e formalismo institucional, e ao mesmo tempo assegurar que o diálogo seja genuíno, diverso e representativo. Moçambique, ao embarcar nesse processo de grandes reformas, enfrenta o desafio de equilibrar regras e âmbito participativo.
Se o Diálogo Nacional for realmente inclusivo, com participação de todos os atores com legitimidade, poderá fortalecer a governança, reduzir tensões e consolidar a democracia. Se não, corre o risco de ser visto como um exercício simbólico, sem profundidade transformadora — ou pior, de fomentar críticas que podem gerar instabilidade.
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