Num país carente de recursos essenciais, o foco das escolas recai — absurdamente — sobre o corte de cabelo dos alunos.
Enquanto os hospitais moçambicanos sofrem com a escassez de medicamentos básicos, as escolas enfrentam a falta de giz, livros e condições mínimas de ensino. Contudo, em meio a esse cenário precário, uma prioridade inusitada parece ter dominado certas direções escolares: o comprimento do cabelo dos alunos.
Foi o que aconteceu recentemente com um menino da segunda classe, expulso da sala de aula por estar “cabeludo”. Isso mesmo. Em vez de se preocupar com o seu desempenho académico ou condições de aprendizagem, a escola decidiu punir o aluno por não cumprir um padrão estético arbitrário — ignorando totalmente o seu contexto social.
A hipocrisia das prioridades
É difícil compreender como um simples penteado se transforma em ameaça à ordem pública numa escola onde os alunos dividem carteiras com cupins, os professores lutam por salários dignos e o material didático é escasso. Ao que parece, a obsessão com o visual tomou o lugar da missão de educar. Diretores e professores, em vez de conferirem cadernos, assumem o papel de fiscais de aparência, elevando o corte de cabelo ao estatuto de disciplina obrigatória.
Não se questiona o porquê. Não se procura saber se a família do aluno tinha condições de levá-lo ao barbeiro. Em um país onde muitos pais estão desempregados e mães lutam no mercado informal para garantir uma refeição, cortar cabelo pode ser um luxo inacessível. Mas para o sistema escolar, isso é irrelevante — o que importa é a “imagem da escola”.
A pedagogia da exclusão
Expulsar um aluno por conta do cabelo é, mais do que um exagero, uma tragédia pedagógica. A escola, que deveria ser espaço de inclusão, igualdade e oportunidades, torna-se palco de repressão, moldando crianças ao custo da sua autoestima e individualidade. O cabelo crescido vira símbolo de rebeldia, ameaça à disciplina e justificativa para negar o direito à educação.
A pergunta que se impõe é: de que serve uma sala impecavelmente penteada, se está vazia de pensamento crítico e acolhimento humano?
Uma crítica ao sistema
Este caso revela muito mais do que um episódio isolado. Ele espelha um sistema educativo mais preocupado com o controle do corpo do que com a formação da mente. Um sistema que silencia, que exige obediência estética, mas é incapaz de promover empatia e inclusão.
Num país onde a juventude precisa desesperadamente de ferramentas para o futuro, a escola impõe tesouras ideológicas e barreiras que nada têm a ver com o verdadeiro processo de aprendizagem.
O menino, agora afastado da sala, aprende uma lição cruel: em Moçambique, o direito à educação pode ser condicionado ao comprimento do cabelo. Uma realidade vergonhosa que escancara as contradições de um sistema onde o saber só ocupa lugar se estiver “bem penteado”.
A educação moçambicana precisa urgentemente rever suas prioridades: trocar tesouras por livros, rigidez por empatia e, sobretudo, aparência por consciência.