Construção do porto em Techobanine pode comprometer status de Património Mundial

 

A deslumbrante costa sul de Moçambique, reconhecida como uma das mais ricas em biodiversidade do continente africano, está no centro de uma acesa discussão entre conservação ambiental e ambições de desenvolvimento económico. A informação é avançada pelo conceituado jornal sul-africano Daily Maverick, que revela que o país se prepara para apresentar, em Julho, em Paris, uma proposta para integrar parte da sua faixa costeira na prestigiada lista de Património Mundial da UNESCO.

A proposta moçambicana visa a criação de uma área de conservação transfronteiriça que uniria o Parque Nacional de Maputo ao Parque de Zonas Húmidas de iSimangaliso, na África do Sul. O Comité do Património Mundial, responsável por avaliar o pedido entre os dias 6 e 16 de Julho, descreve a região como “cenicamente bela” e “uma das mais extraordinárias zonas húmidas e costeiras naturais de África”.

No entanto, este movimento de conservação colide frontalmente com outro projecto ambicioso do Estado moçambicano: a construção de um porto de águas profundas em Techobanine, no distrito de Matutuíne. Esta infraestrutura, que serviria como terminal de exportação de carvão e outros minérios, viria acompanhada por uma linha ferroviária de 1100 km, ligando Moçambique ao Zimbabué e ao Botsuana, permitindo a exportação de recursos naturais para a China e outros mercados globais.

Embora os documentos oficiais garantam que “não há planos imediatos” para construir o porto dentro da zona proposta para Património Mundial, a recente doação de 3 milhões de dólares (cerca de 192 milhões de meticais) do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) para estudos de viabilidade acendeu o alerta entre ambientalistas. O custo total do projecto é estimado entre 800 milhões e 1,9 mil milhões de dólares, ou seja, até 122 mil milhões de meticais.

A região em questão abriga uma rica e frágil diversidade ecológica. Trata-se do habitat de espécies raras e ameaçadas, incluindo recifes de coral, tartarugas marinhas, golfinhos e carapaus-gigantes (Caranx ignobilis), além da histórica Reserva de Elefantes de Maputo, a Península de Machangulo e as ilhas de Inhaca e Portuguesa.

Curiosamente, o Corredor de Futi — essencial para a migração de elefantes entre Moçambique e África do Sul — foi excluído da proposta da UNESCO, embora continue protegido como parte do Parque Nacional de Maputo.

O Governo moçambicano e parceiros internacionais, como a Peace Parks Foundation e o Banco Mundial, destacam os avanços registados na reintrodução de espécies selvagens e no turismo sustentável. Ambos insistem que qualquer plano de desenvolvimento futuro deverá respeitar o Valor Universal Excepcional da área a ser protegida.

Ainda assim, permanece a dúvida sobre a compatibilidade entre o crescimento económico impulsionado por infraestruturas estratégicas e a preservação de uma das últimas paisagens costeiras intactas de África. A decisão final da UNESCO, a ser conhecida em Julho, poderá moldar não apenas o futuro da costa sul moçambicana, mas também o paradigma de desenvolvimento ambientalmente sustentável no país.

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