Cabo Delgado, Moçambique – A Marinha de Guerra moçambicana está no centro de uma grave acusação feita pelo Centro de Integridade Pública (CIP), que aponta a omissão de socorro a uma embarcação de pesquisa russa atacada por presumíveis insurgentes ao largo da ilha de Tambuzi, na costa de Mocímboa da Praia, província de Cabo Delgado. O incidente, ocorrido no dia 10 de maio, envolveu cerca de 40 tripulantes – a maioria de nacionalidade russa – que, segundo relatos, escaparam por pouco de um possível massacre.
Segundo a investigação levada a cabo pelo CIP, a tripulação da embarcação solicitou apoio imediato à Marinha de Guerra após o ataque ter início. Em resposta, o Capitão da Marinha teria prometido enviar dois helicópteros para efetuar o resgate. No entanto, a promessa não foi cumprida, deixando os tripulantes entregues à própria sorte por quase 20 minutos de perseguição no mar.
“Ele disse que ia mandar dois helicópteros para dar suporte. Entretanto, nunca vimos helicópteros”, revelou um dos tripulantes, que falou sob anonimato. “A nossa intenção sempre foi continuar a fugir em direção ao alto mar. Acho que foi uma perseguição de quase 20 minutos.”
Conforme o relato, os agressores se aproximaram a bordo de duas pequenas embarcações, trajando roupas civis, o que inicialmente gerou a falsa impressão de que poderiam ser patrulheiros marítimos. O ataque começou com disparos que atingiram parte do equipamento da embarcação e acabaram ferindo um dos tripulantes.
“Escapou por pouco”, disse a testemunha, explicando que a estratégia de sobrevivência consistiu em dirigir a embarcação para águas mais profundas, dificultando o avanço das pequenas embarcações dos agressores. Essa manobra teria forçado os atacantes a recuar, salvando a tripulação de consequências mais graves.
Além da falta de resposta da Marinha, os tripulantes também acusam negligência por parte de outras embarcações próximas, que não atenderam aos pedidos de socorro. O CIP denuncia ainda o Ministério da Defesa e o Instituto Nacional do Mar (INAMAR) por não terem emitido qualquer alerta sobre o risco de ataques na zona, apesar de terem recebido um pedido de parecer sobre a missão da embarcação.
A omissão das autoridades moçambicanas só começou a ser compensada no dia seguinte, 11 de maio, quando a embarcação já havia conseguido se afastar da zona de perigo e navegar para fora das águas de Pemba. Segundo o CIP, foi apenas neste momento que as autoridades começaram a entrar em contato com insistência, tentando localizar a embarcação.
“Começamos a receber chamadas atrás de chamadas a tentar perceber a nossa localização”, contou a fonte. “Pareceu-nos uma tentativa de justificar o porquê de não nos terem dado sinal nenhum na noite anterior.”
A alegação das autoridades de que a embarcação não aparecia no radar também foi criticada pela tripulação, que garantiu ter feito contato via telefone móvel. “Podiam nos contactar pelo mesmo número com o qual fizemos a ligação”, afirmou.
A situação levanta sérias questões sobre o papel da Marinha de Guerra moçambicana e das instituições estatais na proteção das rotas marítimas em Cabo Delgado, região frequentemente assolada por ataques de grupos armados. O CIP exige uma investigação independente e uma resposta pública do governo moçambicano quanto à alegada omissão.
O caso reacende o debate sobre a capacidade de resposta do Estado moçambicano em zonas de conflito e sua responsabilidade na proteção de cidadãos e estrangeiros em território nacional, especialmente num contexto de intensificação da violência armada no norte do país.